Estou em
Caiobá, praia onde passei quase todos os verões da minha vida. Mas nem de longe
essa é a mesma praia da minha infância. Assim como as cidades crescem e mudam,
até mesmo esse minúsculo balneário no minúsculo litoral do Paraná também sofreu
suas mudanças.
Caiobá
começava no Ed. Itamar e, na minha memória, era quase que um prolongamento de
Curitiba, e por isso apesar de ser uma cidade de praia, tinha uma dinâmica bem
engraçada, enraizada nos costumes dos curitibanos, povo de invernos rígidos,
sério e um tanto pudico. Todo mundo acordava cedo, todo mundo ia a
praia lá pelas 9 horas. A gente levava sapato na mala. Não se
passava protetor e sim Noskote no nariz e nas bochechas, só. A gente tinha
muito medo dos salva-vidas que viviam gritando pra gente sair de onde a gente
sempre queria estar, no fundo! A gente comia ovo duro, sanduíches
embalados em papel alumínio e laranja numa praia sem ambulantes. Aliás, a gente
fazia três refeições, nos horários normais, meio dia era hora de ir pra casa,
tomar banho e almoçar. Depois, depois era o paraíso.
A praia,
mais que a areia e a água, era um espaço de experiências e descobertas. Como
Caiobá era uma vila, era lá que nós, crianças, começávamos a descobrir a
liberdade de sair sozinhos, brincar na rua com os amigos até tarde, andar de
bicicleta, pescar siri, se aventurar. Tudo sem um adulto por perto. Aliás
Caiobá parecia povoada só por crianças. A gente tentava entrar na única piscina
da cidade, a da Mapi (Ed. Caiobá), que era fechada só para os moradores. A
gente vendia esteirinhas feitas de palito de picolé, a gente aprontava pra
valer.
A gente no
caso era a turma da minha escola que ia toda pra lá. Toda a comunidade Judaica
de Curitiba "descia"e cabia em cinco prédios, o Itamar, a Mapi, o De
Morais, a Chameckilandia (Ed. Dona Raquel) e o Apolo. Juntava umas 40 crianças,
a gente fazia gincana, esconde-esconde, teatro, era realmente muito divertido.
Culminando a brincadeira, tinha a esperada ida até a Ilha do Mel, aventura das
aventuras, que fechava a temporada de três meses nesse idílio.
A Caiobá de
hoje é outra. Pra começar, ela começa em Matinhos. Os três
quilômetros da Praia Braba estão tomados de casas e prédinhos. O Itamar é hoje
quase o último prédio da praia. Incrível! As simpáticas vilas, casinhas
germinadas que eram o charme dessa praia, foram substituídas por edifícios de
arquitetura caprichada, mas que acabaram com as cantorias na varanda comum de
antes.
Quase um
milhão de pessoas vem a Caiobá, principalmente entre o Natal e o Ano Novo, a
maioria delas do interior do estado. Essa multidão forma um formigueiro humano
inacreditável pra quem cresceu nessas bandas. Dá pra ver de longe
quem são os antigos e os novos habitantes dessa mistura. Quem come em casa e
quem enche os restaurantes de fast food. Quem tem casa e quem tem apartamento.
Você faz a caminhada de 6 quilômetros (ida e volta pra Matinhos) sem ver um
rosto conhecido.
A praia hoje
"abre" cedo para crianças, mas é bem mais tarde que tudo acontece. As
pessoas vão chegando mesmo lá pelas onze da manhã, muitas delas só
saem lá pelas oito da noite. Da pra almoçar na própria praia, tem sanduíche
natural, esfirras, quibe, cozinha, pastel, milho, espetinhos, queijinho, salada
de frutas, sorvete, tapioca, o que for!
Mas o que mais
mudou pra mim é a vida das crianças. Como quase todo prédio agora tem piscina,
a criançada trocou as aventuras pelas tardes em casa. Com medo da violência que
essa cidade quase grande e cheia de perigos pode ter, os pais supervisionam,
acompanham, participam das brincadeiras que antes eram só delas. Agora são os
adolescentes que vivem toda essa experiência que antes vivíamos ainda crianças.
Começa aos quatorze, a liberdade que tínhamos com oito, nove anos.
Mas muita
coisa ainda está igual. Você chega e sempre tem que arrumar um monte de coisas
na sua casa. A ponte entre Caiobá e Guaratuba continua um sonho distante. A
gente ainda tem que cruzar o canal nojento que invade e divide a praia Braba. A
distância social entre a Mansa e a Braba é infinitamente superior aos poucos
metros que as separam. A pracinha de Caiobá continua o lugar
perfeito pra se abandonar as rodinhas das bicicletas. Os maridos ainda vão pra
trabalhar em Curitiba só voltando no fim de semana. O sorvete de abacate da Bom
Sucesso ainda é o melhor motivo pra se pegar o Ferry Boat. Um livro é o melhor
complemento da cadeira e do guarda-sol. A praia ainda é aquele lugar pra se
encontrar os amigos, sem cerimônia, sem relógio e conversar, conversar até que
alguém tenha fome, o sol se ponha ou acabe a bebida. A praia ainda é o melhor
das férias.