quarta-feira, 7 de maio de 2014

Uma casa muito engraçada

     Minha casa, isto é, a casa dos meus pais, onde morei desde que nasci e de onde sai só quando casei, saiu numa das publicações mais importantes sobre arquitetura, a Archdaily. A casa foi desenhada pelo meu pai no comecinho da década de 60 e era muito moderna para a época. Ainda é.
     Sempre brinquei que morei numa casa conceito é que isso valeria uma história. Aqui está.
     A casa era, ainda é, muito diferente de todas as casas que eu conheci na vida. Por anos achei que a primeira estrofe da música A casa, do Vinícius de Moraes, tinha sido feita pra ela afinal, o Vinícius em pessoa esteve lá algumas vezes, o que me rendeu um lindo exemplar da Arca de Noé, autografado com um versinho!
     Era certamente a casa mais bacana da turma, era a mais bacana da escola inteira. A minha casa tinha grama no telhado!!!  Pronto, não tinha como ganhar disso. Isso por si só, em 1965, era algo extraordinário. Onde mais a gente tinha permissão pra subir o muro, escalar uma paredinha pra ir ao telhado? Lá em casa tinha. A gente podia brincar, correr, tomar sol, fazer piquenique no telhado. Só não dava pra jogar bola porque ele era inclinado. Todo mundo adorava vir brincar na minha casa. 
     A casa é toda de concreto e vidro. Tem três níveis. É tão diferente que a gente já entrava no nível do meio, onde ficava a sala e a cozinha. Descendo uma escada, os dois quartos e o banheiro. Pois é, casa compartilhada, irmãs dormindo juntas e um banheiro para toda a família. Subindo outra escada, o escritório do meu pai. Só depois de muitos anos, meu pai trocou um projeto por um pedaço do terreno do vizinho, ganhamos mais uma sala e meus pais uma suíte. Apesar de ganhar um quarto só pra mim, perdemos a ameixeira do vizinho nessa obra, perda irreparável!!
    Se por fora a casa era arrojada, dentro tinham coisas incríveis também. Nossa lareira era de concreto, em forma de gota, suspensa do chão e roxa! Já viu isso antes? A estrutura do concreto que ficava aparente em alguns lugares, criava esconderijos fantásticos pra brincar de esconde-esconde. Tinha uma adega muito escura, pelo menos aos meus olhos de criança, que eu não tinha coragem de entrar não importando o valor da aposta. No lavabo, a coisa mais divertida da casa, o famoso pôster do Frank Zappa no banheiro, alaranjado!
    Uma das coisas que mais gostava na casa era a cozinha, toda azulejada, do piso ao teto com azulejos do Poty Lazarotto. São quatro modelos que se intercalam, numa linha tem um com o pescador e outro com os peixes, na outra linha têm um de passarinhos e outro com o caçador. Lindo! 
     Hoje a casa é o escritório do meu pai. Eu trabalho lá, no meu antigo quarto. Sou o exemplo literal do bom filho que a casa torna. A casa mudou muito para acomodar a nova função, mas a gente tenta preservar o máximo possível as suas características arquitetônicas. Não se mexe numa lâmpada, não se coloca um prego sem aprovação do meu pai. A lareira ainda está lá, roxinha da Silva. O Frank Zappa, infelizmente, se perdeu num arroubo da minha mãe que quis marmorificar o lavabo todo (mais chique!). 
    Ganhamos um gazebo, ganhamos uma biblioteca e dois novos volumes onde as salas de trabalho estão. As árvores plantadas pela minha irmã são hoje enormes e frondosas, Mas a casa ainda tem a sua alma, chora nas velhas goteiras, estala suas velhas madeiras. Para nós crianças, era a casa muito engraçada, agora adulta, consigo ver o quão especial ela foi e ainda é. Ao contrario da música, nossa casa sempre teve tudo!


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