Sempre
brinquei que morei numa casa conceito é que isso valeria uma história. Aqui
está.
A casa
era, ainda é, muito diferente de todas as casas que eu conheci na vida. Por
anos achei que a primeira estrofe da música A
casa, do Vinícius de Moraes, tinha sido feita pra ela afinal, o Vinícius em
pessoa esteve lá algumas vezes, o que me rendeu um lindo exemplar da Arca de Noé, autografado com um
versinho!
Era
certamente a casa mais bacana da turma, era a mais bacana da escola inteira. A
minha casa tinha grama no telhado!!! Pronto, não tinha como ganhar
disso. Isso por si só, em 1965, era algo extraordinário. Onde
mais a gente tinha permissão pra subir o muro, escalar uma paredinha pra ir ao
telhado? Lá em casa tinha. A gente podia brincar, correr, tomar sol, fazer
piquenique no telhado. Só não dava pra jogar bola porque ele era inclinado.
Todo mundo adorava vir brincar na minha casa.
A casa é toda
de concreto e vidro. Tem três níveis. É tão diferente que a gente já entrava no
nível do meio, onde ficava a sala e a cozinha. Descendo uma escada, os dois
quartos e o banheiro. Pois é, casa compartilhada, irmãs dormindo juntas e um
banheiro para toda a família. Subindo outra escada, o escritório do meu
pai. Só depois de muitos anos, meu pai trocou um projeto por um pedaço do
terreno do vizinho, ganhamos mais uma sala e meus pais uma suíte. Apesar de
ganhar um quarto só pra mim, perdemos a ameixeira do vizinho nessa obra, perda
irreparável!!
Se por fora
a casa era arrojada, dentro tinham coisas incríveis também. Nossa lareira era
de concreto, em forma de gota, suspensa do chão e roxa! Já viu isso antes? A
estrutura do concreto que ficava aparente em alguns lugares, criava esconderijos
fantásticos pra brincar de esconde-esconde. Tinha uma adega muito escura, pelo
menos aos meus olhos de criança, que eu não tinha coragem de entrar não
importando o valor da aposta. No lavabo, a coisa mais divertida da casa, o
famoso pôster do Frank Zappa no banheiro, alaranjado!
Uma das
coisas que mais gostava na casa era a cozinha, toda azulejada, do piso ao teto
com azulejos do Poty Lazarotto. São quatro modelos que se intercalam, numa
linha tem um com o pescador e outro com os peixes, na outra linha têm um de
passarinhos e outro com o caçador. Lindo!
Hoje a casa é o escritório do meu pai. Eu trabalho lá, no meu antigo
quarto. Sou o exemplo literal do bom filho que a casa torna. A casa mudou
muito para acomodar a nova função, mas a gente tenta preservar o máximo
possível as suas características arquitetônicas. Não se mexe numa lâmpada, não
se coloca um prego sem aprovação do meu pai. A lareira ainda está lá, roxinha
da Silva. O Frank Zappa, infelizmente, se perdeu num arroubo da minha mãe que
quis marmorificar o lavabo todo (mais chique!).
Ganhamos um
gazebo, ganhamos uma biblioteca e dois novos volumes onde as salas de trabalho
estão. As árvores plantadas pela minha irmã são hoje enormes e
frondosas, Mas a casa ainda tem a sua alma, chora nas velhas goteiras,
estala suas velhas madeiras. Para nós crianças, era a casa muito engraçada, agora
adulta, consigo ver o quão especial ela foi e ainda é. Ao contrario da música,
nossa casa sempre teve tudo!
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