sexta-feira, 30 de maio de 2014

Amizades Hereditárias

Coisa boa na vida é que além de fazer amigos a gente também herda alguns, e deixa alguns de herança. Tenho um monte de amigos que surgiram através das amizades dos meus pais. São aqueles que conhecem a gente desde a barriga, que fizeram todas as viagens, os churrascos, os programas que a turma de amigos deles faziam e nos carregavam junto. Esses amigos são especiais, Dependendo da proximidade dos pais, nós, as crianças, ficávamos ainda mais próximos, quase irmãos. Alguns acabam se afastando, é inevitável, mas o carinho e a bagagem de tantas aventuras está lá. Os banhos na chácara, os quartos divididos, as guerras de travesseiros, está tudo lá na memória.
Quando minha mãe faleceu, herdei ainda algumas amigas dela, que continuam expressando sua enorme amizade em mim. É como se fosse um upgrade. Por mais que eu convivesse muito com elas antes, estava ali na posição de outra geração, quase de penetra nas conversas e nas risadas. Hoje,  herdei o carinho.
Mas o mais legal é que agora vejo tudo isso por outro angulo, são os meus filhos que estão herdando uma quantidade enorme de amigos, filhos dos meus amigos. As crianças da turma já são um bando de irmãos que se adoram, brincam e tem o maior carinho um pelo outro, independente da idade. Eles já criaram o vínculo, já são uma turma independente de nós, adultos. Já tem suas aventuras, viagens, seus quartos divididos, está tudo lá na memória deles também.
E fico particularmente feliz de ver isso acontecer com outras turmas, amigos queridos que nem moram aqui. Como é bom esse encontro. Como é bom dar aquele abraço de saudade na sua amiga e ouvir ao fundo as risadas das nossas crianças totalmente á vontade umas com as outras, tramando os encontros, exigindo um maior contato, programando uma viagem pra poder descontar as saudades delas. São encontros mágicos. Não importa quantas vezes se vejam num ano, eles tem cumplicidade, tem papo, tem intimidade. 
Acho que não poderia ser diferente quando as amizades são verdadeiras. O carinho é enorme e contagia todo mundo. Nessas relações, fica todo mundo muito próximo, gostamos dos filhos dos amigos como filhos nossos, gostamos dos amigos dos nossos pais como tios verdadeiros, criamos esses novos laços, criamos essa nova família. Família escolhida, herança boa. Criançada reunida. Coisa melhor não tem!

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Sonho meu

Os sonhos são a base da realidade. Essa frase ouvi de gente que leva esse negócio de sonho à sério. Gosto de gente que investe no sonho, se dedica, faz acontecer. Não é sempre fácil, não é sempre que você vê gente disposta a acreditar na possibilidade de realizar os seus sonhos mais incríveis.
Estou falando aqui de sonhos no mais verdadeiro sentido da palavra. Aquelas vontades absurdas que você se deseja, coisas que te impulsionam e que geralmente são desacreditadas por todo mundo que te cerca.
Imagina se ele vai gravar um disco em Abbey Road, nem músico profissional é! Imagina se ele vai conhecer o Sean Penn, nunca! Imagina se ele vai viajar de bicicleta pelo mundo por dois anos, vai viver de que? Pintar, maratonas, escaladas, seguir bandas, mosteiros na Índia, o céu é o infinito! 
Sonhos são poderosos, são propulsores das maiores transformações nas nossas vidas.
E não falo aqui dos sonhos "concretos", aqueles que a gente sabe que vai realizar como as carreiras que escolhemos e o sucesso que queremos com essas escolhas. 
Falo dos sonhos incríveis, que te tiram da zono de conforto, que te fazem mover mundos, sair da sua realidade, entrar no mundo da alegria pura. 
Aprender a sonhar e perseguir esse sonho deveria ser matéria de escola. Quem sabe assim teríamos pessoas mais felizes e realizadas, mais competentes e persistentes, mais focadas e criativas.A gente vice hoje num mundo onde todo mundo corre e não tem tempo pra nada, muito menos pra ir atrás daquela viagem impossível, daquele show do outro lado do mundo, daquele hobby que emociona.
E também não faço a apologia do "vou largar tudo e vou me jogar". Ao contrario, faço a apologia do levar seu plano muito à sério, planejar, criar, viabilizar o que te faz feliz sem precisar deixar de ser o que você escolheu ser e te trouxe até aqui. A gente pode ter os dois. A gente deve!
O meu sonho infelizmente nunca poderei realizar, Fred Astaire e Gene Kelly não terão nunca o prazer da minha contradança. Mas o Barishnikov ainda está ai, e quem sabe com muito esforço da minha parte, eu possa tentar. Vou começar os ensaios hoje!


quarta-feira, 7 de maio de 2014

Minha pequena Curitiba

Minha cidade encolheu. Sim senhor! Não importa o quanto digam que ela está cada vez maior, com mais gente, mais carros, fisicamente maior. Pra mim, Curitiba está cada vez menor. E aposto que para você também.
E é justamente o crescimento das grandes cidades que está deixando Curitiba cada vez mais pequetitica. Como? Eu explico:
Antigamente, quando Curitiba era uma jovem cidade de menos de dois milhões de habitantes, a cidade toda era integrada. Vivíamos todos numa agradável pequena cidade onde você circulava tranquilamente, conhecia tudo, trombava com os amigos em todo lugar. Não tinha um restaurante novo que abria que a gente não soubesse imediatamente. Não tinha peça no Guaíra que não virasse uma festa de amigos conversando animadamente no intervalo. Não tinha loja, mercado, que você não soubesse onde era e o nome do dono. Não tinha problema em sair de casa para cruzar a cidade, o que levava no máximo enormes 15 minutos. Nessa Curitiba, tudo era comum, tudo era dos Curitibanos. 
Hoje as coisas estão bem diferentes. O crescimento desordenado dessa nossa querida Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba trouxe o que pra mim é a pior coisa que poderia nos acontecer. Fomos divididos em micro cosmos, micro cidades, micro guetos.
Minha Curitiba hoje não tem mais de 5 km de raio. Tenho que viver confinada nesse espaço porque não quero ficar confinada no meu carro. Não quero ficar confinada no trânsito. Tudo o que faço tem que estar nessa minha nova micro vila: a escola das crianças, o meu escritório, a casa dos parentes, a loja preferida, os restaurantes e eventos culturais. Tudo socado entre Cabral, Juvevê, Centro Cívico e adjacências. Poucas adjacências. 
E isso está acontecendo com todo mundo. Não dá mais pra visitar fulano por que ele mora muito longe, não conheço o restaurante por que é do outro lado da cidade, não escolho essa escola por que é fora do meu caminho. 
Que coisa triste! A cidade toda recortada. Famílias separadas como em zonas de guerra, amiguinhos que não brincam, vizinhos que não se conhecem nessa mesma cidade que um dia foi tão próxima. 
Não somos mais uma cidade, somos pequenos micro bairros, cada um com suas particularidades, segregados, quase fechados. A turma do Batel não conhece os restaurantes do Cabral, a turma da Água Verde não compra no Ahu. Quem mora no Bigorrilho não frequenta o Cristo Rei, quem corre no São Lourenço não passeia no Barigui. Isso sem entrar no mérito das distancias sociais que são outro complicador que só intensifica essa nossa separação.
Quero voltar a viver numa cidade plena. Quero meu direito de ir e vir restaurado com dignidade. Quero que parem de dar nomes esquisitos aos bairros só pra criar ainda mais demarcações. Não existe Jardins em Curitiba, nós sempre tivemos o Alto da Quinze, no máximo a Itupava. Não conheço o Arte Cívico, nada disso é importante.

Perdemos a intimidade enquanto cidadãos. O que essa cidade precisa é voltar a se gostar, voltar a se valorizar, e isso passa pelas pessoas. Precisamos integrar mais, separar menos. Precisamos voltar a conhecer a cidade, voltar a passear, transgredir as fronteiras. Voltar a Curitiba, a cidade de todos nós.

Verdes anos

Sou uma eterna saudosista, dessas de carteirinha! Acho que é por que eu tive muita sorte nessa vida. Tenho memórias pra lá de especiais dos meus verdes anos. Tudo incrível!
Minha memória aliás, (com o desgaste natural de quem já deixou pra trás quatro números trágicos que indicam nossas décadas) está cada vez mais seletiva. Cada vez gosto mais do meu passado, cada dia que passa ele fica mais bonito pra mim.
Acho que é porque estou revivendo a adolescência através dos meus filhos. Eles estão naquele tempo mágico, descobrindo a vida e eu me pego repensando as minhas próprias descobertas. Eles vivendo e eu sonhando. Eles querem sair sozinhos, estar sempre com os amigos, viver só o prazer. 
Eu vivi isso na plenitude que a segurança do século passado permitia. Minha juventude foi como as músicas do Belchior, do Sá, Rodrix e Guarabyra. De um tempo que jovem ouvia MPB. Andar na rua, cabelo ao vento, gente jovem reunida. 
Eu tinha muita liberdade, mas tinha muita responsabilidade. Pelas minhas contas poderia ter ido à Lua somando meus quilômetros da Itapemirim. Era tudo muito simples e a gente precisava de muito pouco para ser feliz. Uns trocados, uma passagem, uma praia, um ingresso pro cinema, um livro, e principalmente amigos e mais amigos, de preferência pelo menos um que soubesse tocar violão. Um Bariloche (sobremesa que existia na extinta confeitaria Petit Café, ao lado do cine Condor) também ajudava. 
Meus filhos precisam de muito mais coisas, e isso me aperta o peito. O mundo deles é cheio de gadgets, marcas, bolsas, tênis e exigências mercadológicas que eu jamais sonhei ter com 15 anos. É coisa demais pra se lidar com essa idade, difícil demais. Eles ainda não conseguiram ver que a simplicidade das coisas que é o grande barato. A risada coletiva, amigos dormindo em casa, aquele nascer do sol incrível depois da balada, a aventura de descobrir uma praia secreta, os segredos sussurrados, a apresentação de ballet, o primeiro beijo... são essas as coisas que eles vão lembrar quando chegarem na minha idade. São coisas imateriais, coisas etéreas, coisas que nem são coisas.

Então só me resta cuidar muito bem do meu presente.  Tenho obrigação de ser tão ou mais feliz que sempre fui. Preciso que o meu presente seja especial. Só assim as memórias dos meus filhos também serão incríveis.  

Os encantos da Divina.

Estou em Caiobá, praia onde passei quase todos os verões da minha vida. Mas nem de longe essa é a mesma praia da minha infância. Assim como as cidades crescem e mudam, até mesmo esse minúsculo balneário no minúsculo litoral do Paraná também sofreu suas mudanças.
Caiobá começava no Ed. Itamar e, na minha memória, era quase que um prolongamento de Curitiba, e por isso apesar de ser uma cidade de praia, tinha uma dinâmica bem engraçada, enraizada nos costumes dos curitibanos, povo de invernos rígidos, sério e um tanto pudico.  Todo mundo acordava cedo, todo mundo ia a praia lá pelas 9 horas. A gente levava sapato na mala.  Não se passava protetor e sim Noskote no nariz e nas bochechas, só. A gente tinha muito medo dos salva-vidas que viviam gritando pra gente sair de onde a gente sempre queria estar, no fundo!  A gente comia ovo duro, sanduíches embalados em papel alumínio e laranja numa praia sem ambulantes. Aliás, a gente fazia três refeições, nos horários normais, meio dia era hora de ir pra casa, tomar banho e almoçar. Depois, depois era o paraíso.
A praia, mais que a areia e a água, era um espaço de experiências e descobertas. Como Caiobá era uma vila, era lá que nós, crianças, começávamos a descobrir a liberdade de sair sozinhos, brincar na rua com os amigos até tarde, andar de bicicleta, pescar siri, se aventurar. Tudo sem um adulto por perto. Aliás Caiobá parecia povoada só por crianças. A gente tentava entrar na única piscina da cidade, a da Mapi (Ed. Caiobá), que era fechada só para os moradores. A gente vendia esteirinhas feitas de palito de picolé, a gente aprontava pra valer. 
A gente no caso era a turma da minha escola que ia toda pra lá. Toda a comunidade Judaica de Curitiba "descia"e cabia em cinco prédios, o Itamar, a Mapi, o De Morais, a Chameckilandia (Ed. Dona Raquel) e o Apolo. Juntava umas 40 crianças, a gente fazia gincana, esconde-esconde, teatro, era realmente muito divertido. Culminando a brincadeira, tinha a esperada ida até a Ilha do Mel, aventura das aventuras, que fechava a temporada de três meses nesse idílio. 
A Caiobá de hoje é outra. Pra começar,  ela começa em Matinhos. Os três quilômetros da Praia Braba estão tomados de casas e prédinhos. O Itamar é hoje quase o último prédio da praia. Incrível! As simpáticas vilas, casinhas germinadas que eram o charme dessa praia, foram substituídas por edifícios de arquitetura caprichada, mas que acabaram com as cantorias na varanda comum de antes.
Quase um milhão de pessoas vem a Caiobá, principalmente entre o Natal e o Ano Novo, a maioria delas do interior do estado. Essa multidão forma um formigueiro humano inacreditável pra quem cresceu nessas bandas.  Dá pra ver de longe quem são os antigos e os novos habitantes dessa mistura. Quem come em casa e quem enche os restaurantes de fast food. Quem tem casa e quem tem apartamento. Você faz a caminhada de 6 quilômetros (ida e volta pra Matinhos) sem ver um rosto conhecido.
A praia hoje "abre" cedo para crianças, mas é bem mais tarde que tudo acontece. As pessoas vão chegando mesmo lá pelas onze da manhã, muitas delas  só saem lá pelas oito da noite. Da pra almoçar na própria praia, tem sanduíche natural, esfirras, quibe, cozinha, pastel, milho, espetinhos, queijinho, salada de frutas, sorvete, tapioca, o que for!
Mas o que mais mudou pra mim é a vida das crianças. Como quase todo prédio agora tem piscina, a criançada trocou as aventuras pelas tardes em casa. Com medo da violência que essa cidade quase grande e cheia de perigos pode ter, os pais supervisionam, acompanham, participam das brincadeiras que antes eram só delas. Agora são os adolescentes que vivem toda essa experiência que antes vivíamos ainda crianças. Começa aos quatorze, a liberdade que tínhamos com oito, nove anos.

Mas muita coisa ainda está igual. Você chega e sempre tem que arrumar um monte de coisas na sua casa. A ponte entre Caiobá e Guaratuba continua um sonho distante. A gente ainda tem que cruzar o canal nojento que invade e divide a praia Braba. A distância social entre a Mansa e a Braba é infinitamente superior aos poucos metros que as separam. A pracinha de Caiobá  continua o lugar perfeito pra se abandonar as rodinhas das bicicletas. Os maridos ainda vão pra trabalhar em Curitiba só voltando no fim de semana. O sorvete de abacate da Bom Sucesso ainda é o melhor motivo pra se pegar o Ferry Boat. Um livro é o melhor complemento da cadeira e do guarda-sol. A praia ainda é aquele lugar pra se encontrar os amigos, sem cerimônia, sem relógio e conversar, conversar até que alguém tenha fome, o sol se ponha ou acabe a bebida. A praia ainda é o melhor das férias.

Uma casa muito engraçada

     Minha casa, isto é, a casa dos meus pais, onde morei desde que nasci e de onde sai só quando casei, saiu numa das publicações mais importantes sobre arquitetura, a Archdaily. A casa foi desenhada pelo meu pai no comecinho da década de 60 e era muito moderna para a época. Ainda é.
     Sempre brinquei que morei numa casa conceito é que isso valeria uma história. Aqui está.
     A casa era, ainda é, muito diferente de todas as casas que eu conheci na vida. Por anos achei que a primeira estrofe da música A casa, do Vinícius de Moraes, tinha sido feita pra ela afinal, o Vinícius em pessoa esteve lá algumas vezes, o que me rendeu um lindo exemplar da Arca de Noé, autografado com um versinho!
     Era certamente a casa mais bacana da turma, era a mais bacana da escola inteira. A minha casa tinha grama no telhado!!!  Pronto, não tinha como ganhar disso. Isso por si só, em 1965, era algo extraordinário. Onde mais a gente tinha permissão pra subir o muro, escalar uma paredinha pra ir ao telhado? Lá em casa tinha. A gente podia brincar, correr, tomar sol, fazer piquenique no telhado. Só não dava pra jogar bola porque ele era inclinado. Todo mundo adorava vir brincar na minha casa. 
     A casa é toda de concreto e vidro. Tem três níveis. É tão diferente que a gente já entrava no nível do meio, onde ficava a sala e a cozinha. Descendo uma escada, os dois quartos e o banheiro. Pois é, casa compartilhada, irmãs dormindo juntas e um banheiro para toda a família. Subindo outra escada, o escritório do meu pai. Só depois de muitos anos, meu pai trocou um projeto por um pedaço do terreno do vizinho, ganhamos mais uma sala e meus pais uma suíte. Apesar de ganhar um quarto só pra mim, perdemos a ameixeira do vizinho nessa obra, perda irreparável!!
    Se por fora a casa era arrojada, dentro tinham coisas incríveis também. Nossa lareira era de concreto, em forma de gota, suspensa do chão e roxa! Já viu isso antes? A estrutura do concreto que ficava aparente em alguns lugares, criava esconderijos fantásticos pra brincar de esconde-esconde. Tinha uma adega muito escura, pelo menos aos meus olhos de criança, que eu não tinha coragem de entrar não importando o valor da aposta. No lavabo, a coisa mais divertida da casa, o famoso pôster do Frank Zappa no banheiro, alaranjado!
    Uma das coisas que mais gostava na casa era a cozinha, toda azulejada, do piso ao teto com azulejos do Poty Lazarotto. São quatro modelos que se intercalam, numa linha tem um com o pescador e outro com os peixes, na outra linha têm um de passarinhos e outro com o caçador. Lindo! 
     Hoje a casa é o escritório do meu pai. Eu trabalho lá, no meu antigo quarto. Sou o exemplo literal do bom filho que a casa torna. A casa mudou muito para acomodar a nova função, mas a gente tenta preservar o máximo possível as suas características arquitetônicas. Não se mexe numa lâmpada, não se coloca um prego sem aprovação do meu pai. A lareira ainda está lá, roxinha da Silva. O Frank Zappa, infelizmente, se perdeu num arroubo da minha mãe que quis marmorificar o lavabo todo (mais chique!). 
    Ganhamos um gazebo, ganhamos uma biblioteca e dois novos volumes onde as salas de trabalho estão. As árvores plantadas pela minha irmã são hoje enormes e frondosas, Mas a casa ainda tem a sua alma, chora nas velhas goteiras, estala suas velhas madeiras. Para nós crianças, era a casa muito engraçada, agora adulta, consigo ver o quão especial ela foi e ainda é. Ao contrario da música, nossa casa sempre teve tudo!


Batizada no Belém

Costumo dizer que não tem ninguém mais curitibana do que eu. E é sério!
Tive uma infância e adolescência tipicamente curitibana. Ia desenhar no calçadão da XV, fiz cursos de artes no Centro de Criatividade, comi muito mini pastel no Pasquale. Era formada em Pedalinho, assídua no teatro do Piá, tinha passe livre no Parque Alvorada. Comi pinhão no corpinho de jornal enrolado nas cadeiras do Couto Pereira. Fiz muito churrasco nos quiosques de todos os parques (você fez no Barreirinha?), batia ponto na Feirinha, conhecia pelo nome os motoristas da linha norte e Sul do expresso. Dancei no Guaíra (grande auditório). Sei as primeiras estrofes da música do Paulo Vítola sobre a cidade (do disco Curitiba Cidade da Gente, o do Bebedouro). Saí no Dino. Até aí tudo bem, você deve estar pensando. Porém brinco que tenho três estrelas no meu currículo curitibocas que são difíceis de igualar: primeira, fui maquiada por um irmão Queirolo para ser a Boneca de Piche na gincana de escolas do Programa Mario Vendramel e tenho isso em vídeo. Complicou a competição, não é? Segunda: escrevi um dicionário de 300 verbetes em curitibanês no aniversário de 300 anos da cidade que saiu na extinta Vejinha. E agora, pra tirar a chance de qualquer um nessa disputa, minha cartada final. Sou tão curitibana que até já tomei banho no Rio Belém, isso na década de 70, antes da despoluição do mesmo. Fui ungida em curitibananice nas águas turvas do nosso rio maior. Pronto ganhei!
Mas o que me torna a curitibana das curitibanas é que tive, e tenho, Curitiba como minha irmã, a caçula, a quem jurei fidelidade.
Cresci com a cidade no meio da mesa do almoço e do jantar. Cresci escutando em primeira mão as mudanças que iriam transformar a vida e a cara dessa cidade pacata, onde eu brincava na rua. Cresci discutindo (sim, discutindo, porque mesmo pequena, tinha voz ativa na conversa) os projetos às vezes mirabolantes que estavam por vir. 
Vi meu pai e minha mãe cuidarem dessa cidade como se fosse uma filha. Meu pai pensando em seu futuro, minha mãe no seu bem estar. Como uma família. Assumi o meu papel.
Por isso sinto um ciúme descomunal de cada rua e casa dessa cidade. Por isso, cada vez que falam que o Curitibano é isso ou aquilo, acho que é ofensa pessoal. Por isso sofro quando as casas da minha memória são levadas pela especulação imobiliária. Por isso me irrito ao máximo com o padrão dos novos postes de luz que parecem pinicos ao contrário invadindo nossas ruas. Por isso choro com cada arvore que cai. Por isso ligo pro 156 pra contar as pequenas feridas que vou vendo aparecer na minha cidade.  Por isso me destempero quando mudam ruas sem um estudo mais aprofundado. Por isso tenho vontade de montar acampamento em frente ao Ippuc pra pegar todo mundo na entrada e dizer: cuidem, prestem atenção no que vocês estão fazendo! Por isso me angustio com essa saopaulização de costumes. Por isso procuro ir sempre mais longe nos meus caminhos para não perder o contato com as tantas outras Curitiba que distantes, parecem outras cidades. Me sinto a ombudsman de Curitiba. 
Mas por isso também curto as coisas da cidade com mais intensidade. Vibro com cada festa popular, cada iniciativa bacana. Curto os night bickers que há uma década iluminaram as nossas noites e abriram caminho pra que as magrelas voltassem a ser consideradas um meio viável de transporte. Como em todas as feiras gastronômicas que abusam da nossa sorte climática e apostam nesse lado gregário dos curitibanos. Ando e ando e ando pela cidade, vendo cada gato na janela. Vou passear na XV só pra matar a saudade. Vou ao MON religiosamente. Vibro com todo artista que consegue sobreviver a nossa antropofagia e brilhar em outras bandas. Uso os parques, vários deles. Provo os restaurantes que abrem mas não esqueço dos clássicos. Vou à feira. Fico nos feriados. Crio raízes.

Por isso, não me perco nunca em Curitiba, afinal, onde estiver, estou em casa!