segunda-feira, 23 de outubro de 2017

dois metros e meio

Dois metros e meio, esse parece ser o novo numero mágico da arquitetura. Estive em Londres recentemente e essa era a medida de quase todas as coisas interessantes que vi por lá.
A primeira experiência com essa medida foi o meu quarto de hotel. Fiquei numa cadeia holandesa chamada CitizenM. O conceito são quartos pequenos, altamente tecnológicos e espaços multi coloridos no lobby onde a vida acontece 24 horas e você pode se sentir numa festa badalada. 
Sem brincadeira, o quarto tinha no máximo dois e meio de largura e uns cinco de comprimento.  O lado bom é que a cama ocupava um espaço total de parede a parede no canto do quarto.  Maravilha!
Minha mala teve que ficar no chão mesmo porque a mesa era muito estreita pra ela, mas deu espaço pra tudo. O hotel me fez sentir que estava num misto de episódio do seriado Black Mirror (o segundo da primeira temporada) com Blade Runner (o primeiro).  Check in e out sem recepção, apenas computadores em mesas espalhadas pelo lobby. O quarto todo controlado por um ipad onde você podia abrir e fechar cortinas, acender luzes e tv e até criar moods onde luzes coloridas e musicas obedecem ao seu estado de espírito. Tudo num touch, ou quase, uma vez que meu sistema deu tilt e fiquei completamente sem controle do quarto. Mas no fim eu acabei adorando esse quarto/útero/capsula.
Passeando por Shoreditch, ali pertinho do hotel, me dei com o mesmo conceito, só que na versão shopping. O Boxpark é um popup shopping feito de contêineres onde as lojas também não passam dessa medida de dois metros e meio de largura. Numa quadra cabem 41 operações comerciais no térreo e mais 20 operações de alimentação numa praça no 1º. andar. Só lojas super modernas e antenadas com esses novos tempos.  Show.
Se você pensar que essa medida é mais ou menos a medida de uma garagem para carro, pense em quantos empreendimentos as cidades deixam de ter por priorizar seus espaços para o automóvel.  Cada carro ocupa isso nas cassas das pessoas e ocupa isso novamente no trabalho.
Se as cidades entendessem o que podemos fazer com todo esse espaço que o carro exige, só para ficar parado, fora as ruas, poderíamos transformar radicalmente nossos centros urbanos.
Carro, já diria o meu pai, Jaime Lerner, é o cigarro do futuro. Temos que aprender a viver sem carro, ou melhor, dar um uso mais racional para ele, não sermos mais servos dos possantes. Carro é pra passeio, viagem.  Dentro das cidades: transporte público, pequenos carros compartilhados e bicicletas.

Cada vaga, cada estacionamento tem potencial pra voltar para o cidadão em forma de espaço de qualidade e lazer.  Afinal em dois metros e meio, eu vi, cabe o mundo.

Ruas secretas

Adoro andar por ruas pela primeira vez. Adoro essa sensação de poder descobrir algo novo numa cidade em que vivo há mais de quarenta anos. Dobro a esquina e é um deslumbramento.
Geralmente essas ruas são pequenas, em bairros mais afastados, pelo menos afastados dos meus itinerários.  Algumas são ainda revestidas de antipó, sem calçada, com a grama fazendo o contorno lindo da via. Ruas onde o tempo parece não passar com o mesmo  frenesi do nosso corre corre diário. A grande maioria é residencial, no máximo tem uma vendinha na esquina. O grande comércio e a especulação imobiliária ainda não acharam esses oásis urbanos. As casas, sim casas, têm janelas abertas e se procurarmos bem, achamos lá bolos esfriando. Os muros são baixos, crianças passam em bandos, brincando.  Parece que estamos numa idílica vizinhança dos anos 50.  
Adoro essas ruas que mostram que a gente não esta assim tão distante de um tempo bom. Que toda a modernidade futurista, os prédios de vidro, os tubos dos ônibus, os carros possantes e o caos podem desaparecer virando uma esquina.  Que existe espaço para o humano.
Em Curitiba temos muitas ruas secretas onde os vizinhos conversam no portão, vendedores de sorvete assopram seus apitos e as pessoas voltam pra casa a pé ou de bicicleta. Ruas onde se bate palma no portão, onde se lava o carro na frente de casa, cheias de pipas presas nos fios de luz e cachorros em cada fresta de muro.
Ruas escondidas que revelam um pouco da alma da cidade que passeia graciosamente do moderno ao mais prosaico em menos de um metro. Essa coexistência, essa dualidade me dão o melhor dos dois mundos.

Gosto de ter esse lado, dessa proximidade, dessa mistura, dessa quase esquizofrenia urbana. Gosto de sentir que quanto mais me perco pela cidade, mais a encontro.