terça-feira, 31 de março de 2015

A faxineira

Sempre fui muito organizada. Até demais. Sempre gostei das minhas coisas em ordem, minhas roupas, minhas coisas, meus arquivos, minhas memórias. Tenho mil caixinhas e mil listas que dão conta de quase toda a minha vida. Sou uma pessoa de listas e caixas.
Claro que hoje em dia, quem é organizado é quase um ET. Nesse mundo de informações on line, dessa tal nuvem onipresente, ter as coisas, arquivá-las é um procedimento tão anacrônico quanto abrir a janela do carro com manivela. Mas, eu sou anacrônica. Gosto de filme, gosto de foto, gosto de álbuns. Adoro esse processo de catalogar, classificar, guardar. Não jogo quase nada fora, e se você me mandou um cartão em 1978, provavelmente eu ainda o tenho na minha caixinha. 
Dei uma casinha de boneca maravilhosa para minha filha quando ela era criança. Tinha quatro cômodos, todos recheados de pequenas pecinhas. A cozinha tinha minúsculos talheres, pratinhos, copinhos, panelinhas. Nos quartos, cabidinhos, roupinhas, sapatinhos, almofadinhas. Na sala tinha até livrinhos para se colocar na estante. Um sonho! Pra ela. Pra mim, enquanto eu não achasse todas essas coisinhas no fim da brincadeira, as frutinhas na geladeira, os garfinhos na gaveta, não podia ir dormir, rs. 
Dai pro TOC é um pulo, confesso. Flerto com esse transtorno obsessivo compulsivo. Não adianta. Compulsão é meu nome do meio.
Gosto de tudo arrumado e isso afeta todos os aspectos da minha vida. Certamente afeta minha estética. Certamente minha visão é condicionada a ver harmonia e coerência na ordem. A cidade é um grande desafio pra quem tem essa urgência em arrumar as coisas. É quase desesperador. Tem certas coisas que me deixam fisicamente enjoadas só de ver por ai. A sujeira, a desordem. Tenho vontade de descer do carro e ir arrumando, ajeitando as coisas. 
Flerto, e muito, com a ansiedade também. Esse desejo de ver tudo organizado, arrumado, sempre é derrotado pela vida. A vida é completamente caótica, graças a Deus. Não saber de onde vem o turbilhão é tão necessário para o ser humano crescer quanto respirar. 
Perder o controle, eis a lição. Deixar. Com o tempo, e principalmente com os filhos, a gente aprende a deixar. Nada vai ficar em ordem e talvez isso seja bom. Eu preciso de ordem pra funcionar, mas entender o caos do outro é o verdadeiro aprendizado. Assim, meu quarto vive em ordem, meu escritório tem caixinhas, o deles não. Ninguém me puxou, enfrento a cruzada solitariamente. A cada mês ou outro, organizo o turbilhão de roupas que eles chamam de armário, tiro brinquedos esquecidos em outras eras, jogo fora cadernos de anos atrás, acho os pares das meias. Arrumo, sem eles saberem, caixas de recordações de suas vidas, o primeiro sapatinho, o brinquedo preferido, fotos, livros, a roupinha mais usada, trabalhinhos de escola, tudo em surdina. 
Um dia lá na frente, quem sabe, esse meu TOC vai emocioná-los. Mas precisa mesmo deixar aquele papel amassado jogado ali no meio da sala?