segunda-feira, 29 de junho de 2015

Cristiano quem?

Como não se fala em outra coisa nesse pais, também vou dar o meu pitaco sobre a morte do Cristiano Araújo, que aconteceu na última quarta feira e vem repercutindo,  e muito, até hoje.
 É claro que a morte de um artista jovem é sempre trágica. É obvio que ele representava um segmento e que tinha a sua importância dentro dele. Nada disso se discute, O que me deixou particularmente incomodada foi a tamanha repercussão que esse assunto tomou.
Primeiro porque como tudo nesse país ultimamente, a morte de Cristiano virou uma questão de guerra civil social. De repente, quem conhecia o cantor era do bem e quem não, eu, automaticamente, do mal. Tentaram trazer uma questão de gosto pessoal para uma luta de classes: azelites brasileiras não gostam de sertanejo. Azelites brasileiras não prestam e não derramaram uma lágrima por Cristiano Araújo. Não não não.
Quem disse? Conheço muita gente abastada que adora musica sertaneja. O que tem de mauricinho e patricinha recheando as platéias e bares countrys desse pais não é brincadeira.  Mas de novo, é uma questão de gosto. Tem gente rica e gente pobre que gosta de sertanejo, tem gente rica e gente pobre que não. Tem gente como eu que as vezes curte uma ou outra musica do gênero, sem necessariamente ser fã ou não. Gosto é gosto e não necessariamente tem a ver com o bolso de cada um.
Eu não conhecia o Cristiano Araújo. Aliás eu conhecia uma música dele (é quem não?) a famigerada Bara Bara, que eu odeio e nem sabia que era dele. E isso não tem nada a ver com a história. Não sou fã e achei muito triste o que aconteceu, ponto final.
O que realmente me impressionou e incomodou acima de tudo, foi a importância que uma emissora como a rede Globo deu ao assunto. Um bloco todo do Jornal Hoje, outro no Nacional,  quinhentas chamadas ao vivo, um Video Show inteiro dedicado ao caso, inúmeras menções em todos os programas jornalísticos da casa, outro bloco e meio no Fantástico e por ai foi. Hoje, segunda feira, cinco dias depois da tragédia, o Bom Dia Brasil ainda dava mais repercussão, repetindo parte da reportagem "exclusiva" do  Fantástico.
Só pra ilustrar, a morte de Cristiano Araújo recebeu mais atenção que a morte do Eduardo Campos, do que a do ator Elias Gleizer, que a do múltiplo Antônio Abujamra, gente que -  me desculpem os amantes do gênero sertanejo, tinham mais história e importância na vida politica e cultural do pais. A morte do baixista Chris Squire,  da banda Yes, uma das mais importantes do mundo, ganhou quinze segundos no fantástico e não foi nem citado no Bom Dia Brasil. Pera lá, tem alguma coisa muito errada aio.
Sou jornalista, sei o quanto vale um segundo em qualquer desses programas da emissora mais famosa do país. Sou jornalista, sei o que é uma notícia relevante. O que aconteceu essa semana me deu até uma certa vergonha alheia de todos esses profissionais. Essa exploração da tragédia ao extremo, me deu um desconforto em frente a televisão. Que pauta é essa, quem decide que essa é a história mais importante da semana num país mergulhado em tanta coisa mais importante. Estamos sendo varridos por uma crise econômica sem precedentes, temos representantes das principais construtoras do pais tomando banho frio na carceragem da Policia Federal, temos uma coleção de segmentos em greve pais afora, temos que discutir tanta coisa mais importante. Que pauta é essa? Pena. Pena que a exploração de uma morte precoce de um jovem talento tenha sido usada mais uma vez para jogar brasileiros contra brasileiros. Pena que o destino fatal do Cristiano Araújo seja usado para jogar tanta coisa pra baixo do tapete. Aos fãs, amigos e à família do Cristiano Araújo, meus sinceros pêsames, ao jornalismo da Globo também.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Maestro, qual é a música?

Temos certas regras no meu carro, a primeira é que não pode celular, Não sou um taxi, quero a atenção dos passageiros, quero conversar, ainda que a contragosto, com os filhos. Quero saber das novidades, como foi a prova, coisas de mãe. Confesso que é difícil e às vezes sou a primeira a burlar a regra, mas ela existe e nos vamos aos trancos e barrancos tentando cumprí-la.
A segunda é tão polêmica quanto. Eu escolho as musicas que ouvimos, para o desespero das crianças, principalmente da minha dj de treze anos. Uma coisa não mudou com o passar das gerações: assim que a gente entra no carro, antes mesmo da segunda perna se acomodar do lado de dentro já escuto o "liga o rádio!" Parece um eco de mim mesma na mesma idade, mesma frase gritada antes da porta fechar. Já o gosto musical....quanta diferença.
Sem querer entrar no mérito do que é bom ou não, esse molecada tem um gosto bem diferente do que a gente tinha na idade deles. na minha época rock, pop e MPB eram o triunvirato do meu pódio musical. Hoje entraram outros ritmos e outras vertentes no cardápio. Podemos dizer que quem manda agora é o funk, sertanejo universitario e o pop infanto-junvenil. Selenas, Mileys, Glee, Anittas, Jorges e Matheus, são os reis do dial.
Por isso a regra. Essa geração vive sintonizada, com fone no ouvido 24 horas por dia, ouvindo e vendo clips enquanto deveriam ou poderiam estar fazendo o que a gente gostaria que eles fizessem, isto é, estar lendo e estudando. Como não tenho controle nenhum sobre a trilha sonora da vida deles em 80 por cento do tempo, no carro mando eu! Afinal educação também se expressa num bom solo de guitarra e em versos imortais.
Não quero que meus filhos passem a vida sem conhecer os Stones, Beatles, U2, Police, Yes, Talking Heads, Inxx, Genesis, Lynyrd Skynyrd, Marilion, Supertramp, The Doors e tantas outras bandas que marcaram não só a minha vida mas a historia da musica em si. A dramaticidade do Queen, por exemplo, garantiu seu posto no gosto da criançada. Ninguém ouve Bohemian Rapshody em pune.  Também não pode haver um mundo sem que se dance ao som do Prince, Abba, Michael Jackson, Eath Wind and Fire, Donna Summer, Bee Gees, Village People, Bonney M e toda a doideira dos anos 70 e 80. Eles tem que conhecer Aretha, Dinah, Billie, Sarah e Simone. É meu dever supremo. Tem que ouvir Smokey Robinson, James Brown, Miles Davis e sua turma. E misturar o pop de Elvis Costelo, Madona, Rod Steward, Leny Kravitz, Lou Reed com o folk do America, James Taylor, Cat Stevens e  Peter Paul and Mary. Carpenters e Elton John. Bob Marley, Jimmy Cliff, Maxie Priest com  Keith Jarret e Pat Matheny.. E não ha vida inteligente sem os absolutos Frank Sinatra, Tonny Bnnet e claro Elvis Presley himself.
O mais complicado, porém, é a MPB, A turma esta cada vez mais longe de Vinícius, Toquinho,  Chico, Caetano, Gil, Djavan, Gal, Maria Bethânia. Parece que essa turma ficou congelada num tempo passado, às vezes até pra mim. Nem minha paixão por Elis, garantiu seu lugar no gosto das crianças que só conseguem se relacionar melhor com o suingue do Tim Maia, do Jorge Benjor e do Lulu Santos. Tudo que é em português apresenta mais resistência.
Meu gosto eclético fez com que eles pelo menos passem os ouvidos uma vez por quase tudo que eu ouvi na minha vida inteira, incluindo aí os 6 cd da caixa Discoteca do Chacrinha que tem pérolas como I wanna to go back to Bahia que cantamos alto, juntos. Fagner, Belchior, Mutantes, Novos Baianos, os matutos do Grande Encontro, Luiz Melodia, 14 Bis, Adriana Calcanhoto e a Partimpim, Simone, Marisa Monte, Roberto e Erasmo, os mineiros do Clube da Esquina, Sá e Guarabyra, Cartola, Kleiton e Kledir, Secos e Molhados, Gonzaguinha, Marina, João Bosco, Raul Seixas. Oswaldo Montenegro e toda a Bossa Nova, absolutamente  todos. Barão, Ultrage a Rigor, Titãs, Legião, Paralamas, Kid Abelha, Cassia Eller, Rita Lee, Claudio Zolli e Gang Noventa e as Absurdetes, Apulinho Moska ainda no João penca e os Miquinhos Amestrados,
A lista não tem fim, Os mais novos eles conhecem, já haviam nascido com Lenine, Charlie Brow Jr, Ana Carolina, David Guetta, Ivete Sangalo,  Ben Harper, o Rappa,  Radiohead e muita gente boa. A curiosidade, espero, vai levá-los a becos diferentes do mainstream comercial, dos bailes funks pankadão e do universos das duplas que proliferam como banana na serra. Alguns desses artistas que eles gostam e eu não tem até o seu valor. Consigo ouvir uma ou outra coisa do NX Zero e adoro a musica Somebody that I used to know que canto a plenos pulmões apesar dos protestos da filha.
Porém, me sinto na obrigação mesmo é de pelo menos apresentá-los a toda essa gente que me fez tão feliz e que são esnobados pela grande maioria das rádios. Espero que achem um amor pra dedicar qualquer coisa do Cole Porter, e que não sofram como em a Jura Secreta.  Que se divirtam com a Blitz e fechem a pista com Fredom 90. Que abram a cabeça, os ouvidos e o coração, afinal musica boa não tem gênero, nem idade, nem nada. Aumenta o som!


quarta-feira, 17 de junho de 2015

O centro da minha cidade

Dia desses andando de carro numa sexta a noite pelo centro da cidade fiquei impressionada com a quantidade de novos lugares, lojas, bares, gente em pé na calçada, movimento e animação. Uma cidade vibrante e colorida. Aquela alegria de fim de semana.
Dai me veio uma saudade enorme da época que eu frequentava muito o centro, da época em que o centro era vibrante para mim. O que aconteceu? Em que momento o centro da cidade parou de fazer parte da minha vida? Como a gente consegue se distanciar tanto de uma parte tão vital da cidade em que a gente vive?
Moro no  Bacacheri, zona norte da cidade e minha cidade tá cada vez mais demarcada nos bairros imediatamente próximos ao meu. Vou cada vez mais raramente pro Batel, pro Champagnat, na direção oposta, e mesmo nessas horas, o centro está fora do roteiro. Não vou no centro pra quase nada, mal passo por ele de carro. tem sempre um caminho que passa ao largo que é melhor e mais rápido.
O que aconteceu com o centro que me fazer parar de visitá-lo? O que aconteceu comigo?
Estudei na Federal, em plana Praça Santos Andrade, peguei muito expresso na Generoso Marques, gastei muita sola de sapato nas calçadas da Rua XV. Comprei muito disco na Savarin, calça Fiorucci na Noi, sapato na Cinderela. Conheci o conceito de loja de departamento com o abertura da Mesbla. Comi muita banana split, comprei todo o meu material escolar e redinha de cabelo para a aula de balé nas Lojas Americana. Aliás, fiz ballet no Guaíra e chorei rios nas sessões de cinema do Astor, Lido, Condor, Luz, Ritz, Cinema 1 e do Plaza. Fiz curso de datilografia na Facit. Mandei muita carta no Correio e comprei muita revista nas banquinhas enquanto meu pai tomava o café na Boca Maldita. Esbarrei em muita gente apresada que corria pelo caminho. Conheci o Esmaga e a Gilda. Comprei minha aliança de casamento por lá. Comprava ingresso no quioske onde a gente se informava com o Bom Programa. Comecei a sair à noite indo no Baviera, Alemão e no London onde tinha sempre um banquinho e um violão. Ia na feirinha. Meus avós moraram na Barão e na Santos Andrade. Literalmente cresci no centro. O centro e imediações eram parte da minha vida, de verdade.
Hoje, o centro da cidade é um outro planeta. Meu GPS interior quase não o reconhece. As antigas lojas que eu frequentava fecharam ou viraram pequenos shoppings com mil lojinhas extremamente populares. Perdemos a Schaeffer e a passagem obrigatória nas Livrarias Curitiba ali na frente. Todo mundo migrou pro Shopping, a Mesbla fechou, a Americanas só no site. Ganhei um carro, larguei o ônibus, Acabei a faculdade, trabalho tão perto de casa que muitas vezes vou a pé. Discos a gente agora baixa no computador. Não sobrou um cinema de rua pra contar a história.  O expresso mudou de rua, o Correio central está fechado. Meu curso saiu da Santos Andrade. Abriram mil restaurantes novos em bairros que agora tem apelidos no Geocook. O relógio das flores vive parado. Perdemos a intimidade, eu e o centro.
De vez em quando volto lá. Meio tímida, ando pela XV atrás dessas memórias. A Savarim mudou de lugar mas está lá, O Paço virou um lindo espaço cultural que quase sozinho tem a missão de resgatar essa convivência de habitante e sua cidade. A Rua XV segue animada, a vendedora da Borboleta 18 ainda grita. A galera ainda vira o submarino do Alemão e o Largo da Ordem tem milhões de botecos novos, mesas na calçada aos montes. Aos poucos vou reconhecendo a minha cidade. Ainda tem gente apressada correndo pra lá e pra cá, A Confeitaria das Famílias resiste, a Boca Maldita também, porém só reconheço meu tio Julio dos que ainda vão lá.  Tem Virada Cultural que não tinha, Tem partidos políticos nas calçadas. Tem pintura. O centro mudou bastante, mas continua animado, vibrante e movimentado como sempre. Mudamos os dois, ele talvez não lembre muito de mim. Eu vou sentir saudades dele pra sempre.


Minhas tardes com Dalton Trevisan

Se você é curitibano de verdade tem uma história pessoal que envolva o Dalton Trevisan. Se não tem, me desculpe meu amigo, sua biografia está incompleta.
Minha primeira lembrança do Dalton são as lombadas dos seus livros na biblioteca da casa dos meus pais. Na minha época de criança, literatura infantil se resumia ao Menino do dedo verde, Meu pé de laranja lima, as obras de Monteiro Lobato, Poliana, a coleção Vagalume e o Pequeno Príncipe, o resto era direto na literatura pra valer, de adultos. Era uma leitora meio precoce devo admitir, mas os livros do Dalton ficavam lá no alto da estante, providencialmente longe das minhas pequenas mãos.
Mas o Dalton era mais que autor, era personagem. Sue nome e sua incrível mítica de fantasma/vampiro começavam a chegar aos meus ouvidos. Quem era esse nosso grande escritor que era reconhecido no Brasil todo, que vivia quase recluso, que não se deixava fotografar, que não dava entrevistas? Precisava saber.
Adolescente, mais alta, voltei a nossa biblioteca e fui conhecer as capas dos livros do instigante escritor. Lá estavam O Vampiro de Curitiba.  Virgem louca, loucos beijos, A Polaquinha, Novela nada exemplares, Cemitério dos elefantes, Morte na Praça, Mistérios de Curitiba, O Pássaro de cinco asas, entre outros. As capas eram incríveis, diferentes de tudo que eu já tinha lido, com certeza. O que me atraia era que o Dalton era curitibano, a possibilidade de ler sobre a minha cidade num livro era uma coisa inédita, eu poderia reconhecer os lugares, quem sabe até conheceria algum dos personagens, estava emocionada. E lá fui eu entrar nas brumas da cidades nos olhos do Dalton.
Nada me preparou para o que li! Foi obviamente um choque, vocês podem imaginar. Num primeiro momento, o estranhamento foi enorme, não conseguia definir o que estava lendo, alias, o que era isso que eu estava lendo? Lembro da sensação: eu no estúdio da minha casa, lendo o livro e tomada pela sensação de estar cometendo um pecado quase tão grande quanto os beijos roubados das personagens das histórias. Embora já tivesse lá meus 15 anos, as conversas sobre o assunto sobre o qual Dalton escancarava nas suas páginas não era conversa fácil na mesa de jantar. Época de tabus e segredos, mesmo para uma família bastante liberal como a nossa. Eu lia e me sentia uma das personagens do livro, acho que chegava a corar! Assim fui apresentada ao Dalton, assim me tornei cúmplice das prostitutas, cafetões, virgens e pilantras que ia conhecendo naquelas tardes dos anos 80.
Quando estava na faculdade de jornalismo, dez anos depois, meu caminho sempre passava pela casa do Dalton. Passei anos esperando a chance de ver nosso vampiro. Aquelas janelas sempre fechadas...
Vinte anos depois, no carro com meu filho que na época devia ter uns 7 anos, lá estava ele, andando pela rua, sacolinha de mercado na mão. Quase bati o carro. Ben, olha ali o Vampiro de Curitiba! Vampiro mãe, esse velhinho é um vampiro? Tem vampiro em Curitiba? Fiquei emocionada, inundada com aquela sensação lá do estúdio. Acho que cheguei a corar de novo!