quinta-feira, 16 de abril de 2015

Minha vida com Elis

Estou vivendo outra vida! Esse é o poder de uma boa biografia, transportar você para outro mundo, outra época, outra vida. Viver a vida do outro. 
Sempre gostei de biografias, desde muito cedo. Era até um pouco estranho ver uma menina de 14 anos lendo a vida de Sophia Loren. O que poderia nos aproximar? O que eu, na época, podia entender dos romances e nuances de uma mulher tão distante da minha realidade adolescente. 
Não lembro qual foi a primeira, mas certamente ler o diário de Anne Frank com a idade dela foi um divisor de águas na minha estante e na minha cabeça.  De lá pra cá, passaram pela minha mão outras atrizes, bailarinos chineses, astros de rock, grandes compositores, fugitivos de guerra, gente do show bizz, estadistas e pessoas comuns em momentos incomuns. 
Atualmente sou coadjuvante da vida da Elis Regina, de quem já era mais que fã e já tinha lido uma biografia anterior que havia me deixada muito frustrada. Sempre ouvi Elis, sempre amei Elis e assim como os americanos sabem onde estavam no dia 22 de novembro de 1963, quando os tiros de Lee Oswald tiraram a vida de JFK, lembro muito bem do impacto de ouvir a noticia da morte da minha cantora preferida. Lembro onde estava, o que estava fazendo e o que vestia naquele 19 de janeiro de 1982. Lembro da tristeza infinita, eu tinha 13 anos.
Aos 12 vi Elis Regina ao vivo, durante um ensaio do espetáculo O Grande Circo Místico que o Ballet Teatro Guaíra estava montando. Elis estava na cidade em turnê e no dia seguinte foi convidada para assistir o que os amigos Chico Buarque, Edu Lobo e Naum Alves de Souza estavam tramando na terra dos pinheirais. Ela chegou e sentou exatamente na minha frente. Eu estava com meu pai na plateia, convidado também para uma prévia do lindo espetáculo. Fiquei sem folego.
Tiete da mãe que sou, fui assistir ao show de Maria Rita em homenagem a Elis e fui quase uma atração maior que a cantora. As pessoas a minha volta não paravam de olhar para essa pessoa que soluçava tanto na plateia. Um vexame.
Ter Elis como companhia nas madrugadas insones é um prazer enorme. Acompanhar suas tempestades e sua genialidade, agora em idade que posso ao menos de leve entender esse universo passional da cantora é um luxo para quem tinha verdadeira adoração por ela.  
Hoje ao ler sobre a gravação de Atrás da Porta, chorei tanto quanto sempre choro ouvindo a música, um hino. Mas também já vibrei com ela e Jair Rodrigues no show no Paramount, já conheci jovens compositores que Elis gostava de descobrir e fico sempre buscando as músicas citadas na minha memória. 
Porem não é fácil ler sobre pessoas que amamos e nos deixaram, O capitulo inicial do livro, que conta o momento de sua morte foi uma tortura. Me peguei esperando ler a frase que mudasse o destino conhecido, torci para o táxi chegar ao hospital a tempo de salvar a vida de Elis, o coração aos pulos. A dor infinita novamente. A sensação de uma perda tão grande, do desperdício de uma vida tão rica perdida tão cedo.
O livro está na metade, e já começo a ficar triste em saber que vou ter que me despedir ainda mais uma vez da Elis. Vou lembrar pra sempre da imagem que não está em nenhum livro, filme, ou aparição dela na TV: Elis, a gigante, tão pequenina, ao alcance dos meus olhos, até das minhas mãos. Uma Elis só minha!


Nada Será como Antes, de Júlio Maria, editora Master Books.

https://www.youtube.com/watch?v=cJTiRh3sNS4

terça-feira, 14 de abril de 2015

Enfeite sua casa

Cadê os pinheirinhos, cadê as luzinhas? Passamos da Capital do Natal para sei lá, é Natal?

Tenho certa obsessão pela decoração de Natal. Talvez por ser judia e não celebrar a festa como os cristãos celebram, dou muita importância à decoração urbana do Natal. Como não tínhamos nem pinheirinho, nem presentes e nem ceia, meu Natal se resumia a um lindo passeio de carro na noite do dia 24 para uma competição de contar os pinheirinhos alheios e as grandes decorações de Natal das lojas tradicionais e das casas mais abastadas. Era mágico. A cidade ficava linda e acolhedora. Cada decoração era como uma forma de carinho para com a cidade. Só faltava a neve.

Passamos depois para uma época onde a decoração de Natal virou uma febre. Havia concurso para eleger a casa mais linda, a loja mais bacana, a rua mais enfeitada. Foi uma overdose. De repente todas as ruas e casas tinham as famigeradas luzinhas numa banalização de algo que deveria ser feito com cuidado e criatividade. Uma ou outra iniciativa que valiam a pela, a casa do Bacacheri, a Rua Elbe Pospissil, alguns prédios elegantes, lojas bem intencionadas se perdiam num mar de pisca-pisca e Papais Noéis desgrenhados e suicidas, pendurados em para quedas, despencando pelas sacadas.

Aí, de repente, a indiferença. Ninguém quer mais saber do assunto, fora os grandes shoppings e uma ou outra sacada iluminada. Que pena! Sinto falta desse cuidado. Desse carinho. Sinto falta daqueles pinheirinhos duros nos postes de luz que a prefeitura fazia nos anos 70. Das árvores enfeitadas com lâmpadas coloridas. Da casa e da loja Hermes Macedo.  Quero de novo a rua XV com aquela Galeria de luz maravilhosa que também já não se faz mais.

Tudo bem o Natal já passou. Mas fica a sensação de que a gente tem que cuidar e enfeitar a cidade. Pessoa física, sempre. Fui pra pequenos povoados na Itália e na Espanha onde se premiam as casas mais floridas. Varias categorias, de vasos nas janelas a jardins inteiros. È lindo! Provinciano, pode ser, mas doce demais. Em Carmel, na Califórnia, as casas tem nome, são quase gente! Isso é sensacional, é o respeito e o carinho pelo lugar onde se vive. Quem vai pixar o muro cheio de flor? 

Então pra 2015, o desafio é esse, vamos enfeitar a cidade. Pintar a casa, arrumar o jardim, fazer uma bela vitrine, arrumar a calçada, plantar uma arvore, chamar um artista pra pintar o muro, mudar o letreiro, recuperar as fachadas, combinar com o vizinho a decoração do Natal que vem. Cuidar da cidade, com carinho.


segunda-feira, 13 de abril de 2015

A céu aberto

Dentro de todas as mudanças que a cidade vem sofrendo com o seu crescimento acelerado, duas, pra mim, são das mais terríveis. A primeira é de ordem visual; Curitiba está toda pichada!
A pichação parece uma doença contagiosa que vai se alastrando de casa em casa. Não deixa um espacinho em branco. A coisa saiu do controle e vem se espalhando por bairros antes bucólicos e limpos. Não faz descriminalização de status social, função urbana, forma e altura. O ataque é fulminante.
Mais que uma questão estética, a pichação revela um lado triste da cidade, o desrespeito do cidadão para com o outro e para com a cidade em si. Tão acostumada com uma cidade onde o orgulho do cidadão sempre foi um ponto super positivo, ver essa degradação da cidade me atinge como um raio. O que passa na cabeça dessa gente que se acha no direito de sujar o mundo dessa maneira? Antes existia até uma certa ordem nessa baderna. Pichar muros, portas de aço de lojas, tapumes, casas abandonadas, valia. Prédios históricos, casas simples, igrejas, prédios de função social e grafites bacanas, não. Não mais. Lateiro não respeita nem seus "irmãos nobres", nem arte, nem nada. Triste demais. A pichação é puro descaso, desprezo. A pichação é puro desamor.
A segunda é o aumento das pessoas que tenho visto dormindo na rua. Talvez não seja uma questão urbana, municipal, uma vez que é de ordem social e econômica, mas o reflexo disso acontece em cada marquise, em cada praça, em todo lugar que se olha. O reflexo acontece na cidade.  Sempre tivemos nossos moradores de rua. A rua XV era recheada deles. O centro sempre teve essa população flutuante. Porém, nos bairros isso era coisa difícil de ver. Não mais. A visão dessas pessoas está logo ali no banco, na porta da loja, na ciclovia, onde tiver o menor sinal de abrigo. A crise está ai, e essa realidade se veste de cobertores puídos e colchões esfarrapados. 
Esse empobrecimentos real e visual da cidade a céu aberto tem que ter um fim. Se não podemos controlar a economia brasileira, temos que reforçar nossas redes de apoio. Conheço os projetos que a cidade oferece, são muitos, das sopas noturnas ao albergamento. Tem que ter mais! Precisamos fazer mais como cidadãos também. Apoiar, ajudar, avisar, nos voluntariar, aquecer.

Temos também que proteger a cidade dessa praga em forma de spray. Precisamos de leis mais duras, venda mais fiscalizada dos produtos, denuncia anônima e premiada, penas com trabalhos voluntários aos sujões, mutirão de limpeza, projetos de recuperações de áreas degradadas. Tudo isso e mais. Acho que acima de tudo temos que nos reeducar. Redescobrir o respeito, resgatar nosso orgulho e principalmente, refazer os laços que nos unem, cidade e cidadão.

Que cidade é essa?

Curitiba muda a olhos vistos. Curitiba não é mais a mesma. Isso todo mundo sabe e vivencia a todo o momento. Isso me causa um misto de sentimentos enorme. 
Me considero super curitibana e tenho um ciúme doentio dessa cidade que já foi sorriso, já foi modelo, já foi ecológica e agora se encontra num momento de transição enorme no seu processo de virar uma cidade grande de 322 anos.
Às vezes, isso de ser uma cidade grande me encanta. Adoro essa diversidade que invadiu a cidade, essa mentalidade cosmopolita de viver o novo agora, Tem mais colorido nas ruas por causa disso, tem gente diferente, tem engajamento, tem movimentos que só esse processo de aglutinar oferece. Mais cultura, mais lazer, mais opções, mais alegria.
Por outro lado, virar uma cidade grande gera tanto problema! Uma cidade grande demanda tanto! A infraestrutura e principalmente a falta dela, começam a pipocar aqui e ali, onde antes a paz reinava. Assumir tanta gente, tanto carro é um desafio enorme que nem sempre o poder público tem a sabedoria, o tempo e os recursos pra vencer.
A Curitiba provinciana está indo definitivamente embora. Provinciana no bom sentido, naquele que os vizinhos se ajudam, as pessoas se encontram nos teatros, o transito flui sem stress, se pode andar na rua, o cidadão tem orgulho de morar aqui, o lixo é reciclado. A minha geração será a última a viver essa cidade idílica na qual crescemos. 
A cidade está perdendo referenciais e parâmetros importantes que faziam dela ser tão boa para se morar. Não podemos deixar certos pilares do nosso planejamento urbano sejam abandonados. Transporte, lixo que não é lixo, cultura, atendimento à criança, educação, civilidade; coisas pelas quais sempre fomos reconhecidos, premiados, imitados. Curitiba já nem pertence mais aos curitibanos, hoje minoria. Mudamos muito. Ganhamos muito, mas perdemos muito também. Precisamos resgatar nossa identidade, ou melhor, precisamos criar uma nova, que envolva esse novo contingente de pessoas que habitam as nossas terras dos pinheirais. Precisamos resgatar nosso amor a essa cidade tão especial.
Meu presente pra Curitiba sempre será esse, meu amor incondicional. Minha dedicação e meu esforço pra que ela seja sempre a cidade dos meus sonhos.
  

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Neve

Ah, a neve! Nada mais lindo do que aqueles floquinhos caindo do céu, fazendo piruetas no ar, deixando tudo branquinho. É realmente mágico, principalmente para quem mora num país tropical como o nosso e que só tem a felicidade de apreciar esse fenômeno da natureza quando está em férias.
Viver com neve é bem diferente. 
Nem vou falar aqui sobre as baixíssimas temperaturas, negativas por excelência pra provocar tudo isso. 
Quando cai a neve é tudo lindo, o depois é que são elas. Uma cidade tem que estar preparada para a neve, os cidadãos e o poder público.  Pra se viver na neve temos que ter noções de cidadania. Primeiro, cada um é responsável pela limpeza da calçada em frente a sua casa, comércio, trabalho. E lá vão os moradores com suas pás limpar suas entradas, seus caminhos, desbloquear seus carros. A gente só consegue andar pelas ruas graças a esse esforço coletivo. Das ruas cuida a prefeitura, são diversos caminhões passando pela cidade, limpando o asfalto, dia e noite. As companhias elétricas ficam de olho na neve acumulada nos fios para que não haja acidentes. As companhias de água cuidam do gelo nos reservatórios. Tudo é controlado. 
Dependendo da intensidade da nevasca as coisas podem tomar proporções enormes. Diante da previsão de tempestades rigorosas os governos estaduais e locais não se omitem. As aulas são suspensas, todo o tráfego de uma cidade é fechado. Nada de metrô, táxis, ônibus, todo mundo tem que ficar em casa. Fecha tudo. Tem que ter coragem pra dar uma ordem dessas. Os negócios são afetados, ninguém gosta, é impopular. Porém uma vez dada, todo mundo respeita. Ninguém discute. Graças a isso, mortes e acidentes são evitados. Ruas e estradas vazias podem ser limpas com maior velocidade, Tudo que precisa ser consertado é feito sem perigo aos cidadãos.
Eu vi Nova York sem um carro na rua. Diante da eminente tempestade Juno, ninguém pensou duas vezes. A cidade que nunca para obedeceu ao toque de recolher. Felizmente, a nevasca desviou sua rota e tudo voltou ao normal ainda pela manhã. Foi um dia lindo, nevou bastante na véspera e como as aulas foram suspensas, todo mundo foi aos parques brincar na neve limpinha e fresca. Terça feira com cara de feriado!
Neve dá trabalho, muitas vezes prejuízo. Por trás da sua brancura o perigo fica escondido. Precisa de muita responsabilidade pra cuidar de uma cidade que vive sob a neve em períodos longos, às vezes meses. Precisa de cuidado constante, manutenção, equipamentos, pessoal capacitado. 

Fico imaginando que não é à toa que o Brasil fica nos Trópicos!