quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Caetano falou, vou falar também

Em seu polêmico depoimento Caetano Veloso decretou: não volto mais à Tel Aviv! Ele pode falar, tem todo o direito. Aliás, ele sabe muito bem o quanto custou ter essa liberdade de poder falar o que bem entender, Esteve lá na época em que isso era proibido, pagou seu preço, foi exilado, blá blá blá.
Vou falar também. Porque também posso. Falo como judia da diáspora, um lugar seguro de onde, assim como Caetano, me sinto livre para dar pitacos na vida dos outros. Não vivo a dor e a delicia de estar lá, apenas sofro por um ver um lugar que para mim é tão importante estar constantemente envolvido numa situação tão dolorosa. Uma casa onde os filhos brigam demais.
Ao contrário do que se supõe, e aí esta a beleza da coisa, muitos, mas muitos judeus israelenses ou da diáspora como eu não concordam com a política belicista do Netanyahu. Muitos de nós não gostam do fato de Israel precisar mobilizar toda a sua juventude em um exército. Não gostamos do fato desse exército ser tão atuante. Não gostamos de precisar inventar o Domo de Ferro. É triste. Não gostamos de ataques aéreos. Não gostamos de usar a força, não gostamos do fato de precisarmos da força. Mas também não gostamos de facas, de tuneis, de gente dizendo de que não podemos existir. Não gostamos de bombas em ônibus, aliás não gostamos de bombas em geral. Nem de tanques, morteiros, misseis. Também não gostamos de assentamentos, nem de muros. Não gostamos de terroristas, não gostamos da extrema direita.  Não gostamos de sirenes. Não gostamos de escudos humanos. Não gostamos de campos de refugiados. Não gostamos de revistas. Não gostamos de patrulhas. Não gostamos de ameaças. Não gostamos do medo. Não gostamos de boicotes, de parcialidade, de radicalismo. Não gostamos de sangue. Não gostamos de nada disso. Discordamos sempre que algo nos incomoda, nos revolta, nos agride. Podemos nos manifestar. Posso dizer tudo isso porque, como judia, não me sinto pressionada, não tem patrulha que me obrigue a ser sempre pró Israel, embora eu seja. Defendo Israel, mas vejo seus defeitos. Não sou ingênua nem maniqueista, posso simplesmente não concordar. Eu posso daqui, os Israelenses en loco. Os israelenses podem criticar abertamente seu primeiro ministro e o fazem constantemente. Os israelenses protestam nas ruas, nos jornais, nos filmes, nas músicas. Eles podem. Caetano deve ter visto, lido e assistido muitos desses protestos. Mas, sobretudo, os israelenses protestam nas urnas e também quando assinam suas deserções.
Quando falamos que Israel é a única democracia da região não estamos falando de uma figura de linguagem. Não é apenas um dado para ser colocado nos livros de geopolítica. Essa democracia é uma forma de vida, que influencia diretamente o rumo desse caldeirão de pólvora chamado oriente médio. Essa democracia é real. É o garante liberdade de expressão,  uma economia estável, desenvolvimento social, ensino de qualidade e todos os marcadores de um país desenvolvido. É mais do que isso, é também o que garante mulheres livres, que permite que os partidos árabes ganhem cadeiras no parlamento israelense, que a direita vença eleições, que existam coalizões nesse parlamento e que militantes do Breaking the Silence levem cantores latino americanos para Gaza conhecer o "outro lado" da história. Essa democracia também permite o diálogo. Permite que o Shalom Achshav (Paz Agora) continue sua luta de tantos anos.
Estamos longe da verdade quando ouvimos daqui ecos mal contados sobre o que se passa lá. Estamos apenas tocando a superfície de um problema de uma complexidade enorme onde cada lado tem infinitos momentos de razão e outros incontáveis momentos de trágicos erros. Lá e cá. Porém, existe e sempre existirá quem acredita na possibilidade de paz. Milhares de pessoas dos dois lados que tentam com projetos e ações conjuntas, diminuir o caminho entre nós. Pessoas que tentam tirar o ódio, a dor e o sangue da equação. 

Caetano não vai voltar pra Tel Aviv. O que ele não vai mais  poder ouvir, são essas vozes dissonantes, que acreditam poder mudar essa realidade, que nossas igualdades sejam maiores do que o que nos separa. O que Caetano não poderá ver são essas pessoas maravilhosa que lutam pela paz.  Azar o dele. 

14 comentários:

  1. Oi Ilana, gostei muito do que voce escreveu.
    Concordo plenamente com suas colocacoes.
    Quem como eu que tenho 3 filhos (dois ja serviram exercito e o terceiro durante) gostaria de ver a paz e a harmonia para todos, arabes e judeus, esquerda e direita, religiosos e laicos.
    Aqui conheci e convivi com arabes da faixa de gaza que trabalhavam conosco dia a dia, com igualdade de direitos e respeito mutuo.
    Quem sabe hoje o que se passa com eles ? Sera que eles tem trabalho ? Como sustentam suas familias ?
    Enfim, realmente foi lamentavel e muito unilateral esta reportagem do Caetano, quem sabe ele esqueceu ou abriram mao de mostrar a ele o que e feito em Israel , o desenvolvimento , a tecnologia, as pesquisas que trouxeram e ainda trazem ao mundo remedios e cura para muita gente.
    Enfim, como voce disse, AZAR DELE.
    Nos continuaremos apesar dele.
    Lembrancas
    Arthur Melon

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    1. Melon querido!
      Infelizmente a gente ainda vai ver muito preconceito e muita dor. mas acredito que tem gente fazendo a diferença, e só por isso, ja vale a pena. Beijos, Ilana

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  2. Parabéns pelo belo texto que, apesar de você não querer demonstrar, é de uma sonhadora. Não nega o DNA!
    Délia Guelman

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    1. Precisamos sonhar sempre, não é Delia? Um abraço, Ilana

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  3. Boa Ilana, muito legal.
    Azar dele mesmo.
    Boni

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  4. Simples assim! Perfeito.
    Betina Kleiner

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. Ilana, parabéns! Alguém ter a coragem de despir mitos neste país (e em todos os outros) é alguém que merece meus (e nossos, de todos) respeitos. Uma vez, um amigo meu, que passou 26 anos como correspondente de O Estado de S. Paulo no Oriente Médio, ao ouvir-me perguntar sobre a região e seus conflitos, respondeu-me, na lata: estudei muito, vi, ouvi, conversei muito e voltei de lá sem entender quase nada do que ocorre por lá. Não é só por olhar - de longe - uma realidade que temos o direito de, como sempre acontece com Caetano, provocar borbulhas. O buraco é mais embaixo. Ele não deixa de ser interessante e um dia tentei caracterizá-lo: onde todos vestem terno, ele vai de saia para causar espetáculo; onde todos vestem saia, ele vai de terno. Isto é legal. Mas, igualmente é perigoso tanto quanto espetaculoso.

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    1. Nilson, provocar borbulhas as vezes é positivo, nos tira do eixo, nos faz penar. Mas temos que ter muita responsabilidade né? E como dizem por aí, a verdade tem sempre três faces, a minha, a do outro e a verdade. O buraco é sempre mais em baixo e a gente tá longe de chegar perto dele sentados confortavelmente em nossas redomas. Um assunto tão sofrido, merece com certeza mais atenção. beijo grande!

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  7. Parabéns. Vc conseguiu sintetizar o pensamento de muita gente, sejam judeus ou árabes. Mas, como disse Nilson Monteiro, Caetano gosta de provocar borbulhas, pois lhe rende grana e mais ainda quando o partido do governo atual ve nisso um engajamento anti-Israel...azar é só dele...

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  8. Bárbaro, real e sensato !!! Vc é ótima.
    Solução para Israel, Brasil e todo o oriente médio.......
    Israel compra o Brasil.

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  9. Pois e, ele veio visitar a minha casa, sentou no salao, tomou cerveja, ouviu musica, ai um dos meninos (aquele capeta mal educado) contou pra ele que ha um porao na casa. E ele foi ver o porao. E quando voltou pro salao, ja nao dave pra se sentir bem. Tomara que qualquer judeu que venha visitar Israel, no so va ao Kotel com os primos ou ao porto de Tel Aviv, mas visite algum campo de refugiados, alguma barreira no muro ondem ha filas interminaveis, e tambem algum kibutz perto de Gaza. As persepcoes se tornariam mais complexas e menos simplistas. Ja nao daria pra ficar a vontade no salao.....

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    1. Com certeza visitar os porões, quaisquer que sejam, sempre revelará muitas coisas. Elas podem ser boas, más, assustadoras, maravilhosas, perturbadoras. Porém, a simples disponibilidade de mostrar o porão, já diz muito sobre o dono da casa, não é mesmo? Quem sai vivo dos porões do Hammas? Abraços Ilana

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