sábado, 16 de agosto de 2014

Questão de gosto

Deveria existir uma comissão de estética em todas as cidades. Este deveria ser o órgão mais rigoroso da administração pública. Me dói na alma ver a quantidade de prédios de gosto pra lá de duvidoso que pipocam pela cidade. 
Sou muito ciumenta da minha cidade. De verdade. Cada cantinho de Curitiba é como se fosse, e é, a minha própria casa. Por isso, cada vez que vejo a especulação mobiliária ganhar num terreno, é como se eu tivesse pessoalmente perdido a guerra. Cada casa que se vai é uma ferida. E tem algumas que não cicatrizam jamais. 
Por isso precisaríamos minimizar as perdas. Já que não podemos deter o progresso (progresso?) pelo menos deveríamos ter algum controle estético sobre o que irá compor nossa paisagem urbana. São tantos os estilos arquitetônicos que vemos invadir nossos olhos, tantas invencionices e modernices... Botar a baixo uma casa do Lolô Cornelsen para erguer um monstro neoclássico deveria ser punido com prisão. Alguém deveria ter o poder de nos poupar da feiura e da degradação urbana. Alguém da secretaria de urbanismo além de conferir metragens e normas de recuo, deveria poder dizer: "essa feiura, na minha cidade, não pode!" Simples assim.
Uma das coisas que mais gosto em Curitiba é poder ver o céu, quase sempre, de qualquer ponto da cidade. E isso também quer dizer ver o azul intenso do inverno, nuvens improváveis, o por do sol vermelho, a chuva chegando e a lua cheia nascendo, só pra listar os fenômenos naturais. Olhar o céu da cidade nos faz ver as coisas com amplidão, podemos ter a visão maior das coisas, literalmente. Cada prédio novo no horizonte nos toma esse direito. A cidade vai perdendo a sua perspectiva, nosso olhar fica cada vez mais restrito, encolhido. Nosso céu, um quadradinho.
Por isso deveríamos ser mais zelosos com o que nos ofertam. Cada edifício, cada shopping, cada nova intervenção, cada viaduto. São obras perenes, merecem muita, muita atenção.
Uma ponte estaiada aqui, um elefante branco ali, prédios desenhados sem amor acolá e lá se vai nossa cidade afundando num mar de degradação que não tem volta. 
Arquitetos e engenheiros, autoridades e prefeitos que me perdoem, muitos me chamarão de atrasada, censora, retrógrada. Aceito a crítica e os predicados. Só peço atenção, bom senso, carinho pelo trabalho. Fazer e aprovar prédios é mais que encaixar cômodos em metros quadrados cada vez mais exímios. Vocês tem uma responsabilidade muito maior, vocês estão mexendo com a paisagem urbana. Mais que isso, vocês estão mexendo com a minha casa.
Sejam corajosos, modernos, ousados, não sou contra nada disso, não me entendam mal. Mas tenham qualidade, propósito, beleza.
Assim ganharíamos todos. Assim um novo prédio poderia honrar a antiga casa. Assim obras novas não nos deixariam com aquele gosto amargo na boca. Assim o caminho do olhar até o céu poderia ganhar novas e belas molduras.

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