quarta-feira, 17 de junho de 2015

Minhas tardes com Dalton Trevisan

Se você é curitibano de verdade tem uma história pessoal que envolva o Dalton Trevisan. Se não tem, me desculpe meu amigo, sua biografia está incompleta.
Minha primeira lembrança do Dalton são as lombadas dos seus livros na biblioteca da casa dos meus pais. Na minha época de criança, literatura infantil se resumia ao Menino do dedo verde, Meu pé de laranja lima, as obras de Monteiro Lobato, Poliana, a coleção Vagalume e o Pequeno Príncipe, o resto era direto na literatura pra valer, de adultos. Era uma leitora meio precoce devo admitir, mas os livros do Dalton ficavam lá no alto da estante, providencialmente longe das minhas pequenas mãos.
Mas o Dalton era mais que autor, era personagem. Sue nome e sua incrível mítica de fantasma/vampiro começavam a chegar aos meus ouvidos. Quem era esse nosso grande escritor que era reconhecido no Brasil todo, que vivia quase recluso, que não se deixava fotografar, que não dava entrevistas? Precisava saber.
Adolescente, mais alta, voltei a nossa biblioteca e fui conhecer as capas dos livros do instigante escritor. Lá estavam O Vampiro de Curitiba.  Virgem louca, loucos beijos, A Polaquinha, Novela nada exemplares, Cemitério dos elefantes, Morte na Praça, Mistérios de Curitiba, O Pássaro de cinco asas, entre outros. As capas eram incríveis, diferentes de tudo que eu já tinha lido, com certeza. O que me atraia era que o Dalton era curitibano, a possibilidade de ler sobre a minha cidade num livro era uma coisa inédita, eu poderia reconhecer os lugares, quem sabe até conheceria algum dos personagens, estava emocionada. E lá fui eu entrar nas brumas da cidades nos olhos do Dalton.
Nada me preparou para o que li! Foi obviamente um choque, vocês podem imaginar. Num primeiro momento, o estranhamento foi enorme, não conseguia definir o que estava lendo, alias, o que era isso que eu estava lendo? Lembro da sensação: eu no estúdio da minha casa, lendo o livro e tomada pela sensação de estar cometendo um pecado quase tão grande quanto os beijos roubados das personagens das histórias. Embora já tivesse lá meus 15 anos, as conversas sobre o assunto sobre o qual Dalton escancarava nas suas páginas não era conversa fácil na mesa de jantar. Época de tabus e segredos, mesmo para uma família bastante liberal como a nossa. Eu lia e me sentia uma das personagens do livro, acho que chegava a corar! Assim fui apresentada ao Dalton, assim me tornei cúmplice das prostitutas, cafetões, virgens e pilantras que ia conhecendo naquelas tardes dos anos 80.
Quando estava na faculdade de jornalismo, dez anos depois, meu caminho sempre passava pela casa do Dalton. Passei anos esperando a chance de ver nosso vampiro. Aquelas janelas sempre fechadas...
Vinte anos depois, no carro com meu filho que na época devia ter uns 7 anos, lá estava ele, andando pela rua, sacolinha de mercado na mão. Quase bati o carro. Ben, olha ali o Vampiro de Curitiba! Vampiro mãe, esse velhinho é um vampiro? Tem vampiro em Curitiba? Fiquei emocionada, inundada com aquela sensação lá do estúdio. Acho que cheguei a corar de novo!

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